sábado, 13 de março de 2010

Chuck

Ah!
Um armário com cabide! O último!
De fuder!
Depois de malhar vou vestir minha roupinha sem amassados.

Além disso, o vestiário tava vazio e silencioso, sem aquele monte de cueca trafegando nem aqueles papos chatos de serviçal público "o valetik vai aumentar?", "De quanto será o reajuste este ano?", "E o plano de carreira?"...

Coloquei minha mochila em cima do banco e comecei a trocar de roupa. De repente, a porta se abre com um estrondo! Entrou aquele serviçal maligno com crachá do legislativo (logo o legislativo!), um sujeito que eu nem conheço, mas já não fui com a cara. O maluco era fortão, carrancudo e sustentava uma careta de Chuck Norris em zona de combate. Além de mim, era o único que não falava com ninguém. Ele escolheu o banco mais distante possível e foi se trocar.

Acabei de me vestir, peguei minha mochila, minha roupa e fui colocar tudo no armário, com cabide. Quando cheguei perto, vi que lá dentro estava uma gravata. Que porra de gravata é essa? Não havia gravata nenhuma quando chequei o armário. "Olha a fuleiragem...", pensei. Na mesma hora, irrompeu uma voz grossa e impetuosa:
- EU ESTOU USANDO ESSE ARMÁRIO!
- Ah, tá?
- TÔ.
- Tá bom.
Não revidei. Jamais faria isso. Se aquele sujeito vociferava daquela forma quando calmo, imagina bravo... Ele deve ser do tipo que espanca gente na boate todo final de semana. Minha última briga havia sido na 6º série, contra um capenguinha da 4º, e eu me lembro de ter apanhado mais do que mala velha. Enfim, já usei roupa abarrotada tantas vezes, uma a mais não me mataria, ao contrário de um soco daquele monstrengo.

Levei minha cara de otário pra fora do vestiário e fui malhar. Chuck Norris carregava dez vezes mais peso do que eu. Às vezes parecia que queria arrancar os aparelhos do chão. Quando fazia força, entortava o rosto como se estivesse sofrendo uma mutação, como acontece naqueles filmes de alienígenas invasores de corpos. "Fiz certo!", pensei.

Concluí meus exercícios de peso pena e voltei para o vestiário. Ao abrir a porta me deparei com a cena mais temida por todos que ali freqüentam: O gordinho da bunda branca! Puta que pariu! O gordinho da bunda branca!

Além de gordo, branco e do tamanho de um tamborete de brega, o sacana tem a detestável mania de ficar zanzando pelado pelo vestiário, pra lá e pra cá, balançando aquela gelatina de creme. Só faltava o chapéu e a gravatinha de marinheiro pra ficar igualzinho ao Stay Puft, o monstro de marshmallow dos caça-fantasmas. Uma gracinha!

Fui para a área dos chuveiros, os três boxes estavam ocupados, e o Puft ainda não havia tomado banho. Este não era um dia de sorte. Eu e o gelatinoso esperávamos uma vaga quando nos assustamos com uma explosão. O gordinho quase caiu! Alguém abriu a porta do vestiário com tanta força que ela espatifou um armário que ficava atrás dela. Só podia ser ele: Chuck, o monstro do legislativo!

Agora tenho que interromper a história pra falar sobre o problema do ralo. Eu já tinha alertado a recepcionista sobre o ralo defeituoso. Havia um ralo em frente ao último boxe de banho, que estava com a tampa solta. Quando alguém arrastava qualquer coisa sobre ele, até mesmo o pé, a tampa se deslocava e o ralo ficava aberto. Uma vez, o ralo estava sem a tampa e eu acabei enfiando meu pé nele, quase me machuquei. Outro detalhe importante é que a água de banho dos três boxes passava por aquele ralo. Era só alguém ligar o chuveiro que a água fluía por ali, fluía cantarolando para as entranhas do subsolo. Falei com a funcionária umas três vezes que alguém teria problemas com aquele ralo. Felizmente, esse alguém seria Chuck, o monstro do legislativo.

Chuck tirou sua mochila do armário e dirigiu-se para a fila do banho, sua respiração era de um búfalo zangado e sua careta agora era a do Dolph Lundgren levando uma surra do Rocky Balboa. Ele arrastou um banco justamente sobre o ralo, um dos pés caprichosamente abriu a tampa. Lá estava um ralo faminto e boquiaberto. Chuck foi tirando sua toalha, sabonete e roupas da mochila, quando um cara acabou o seu banho e saiu do box. Puft dirigiu-se todo animado com sua toalhinha felpuda lavadinha pela mamãe e seu Dove para peles desprovidas de melanina, quando o monstrengo rosnou:
- EU VOU USAR ESSE BOXE!
- Ma... Ma... Mas eu estava na fi...
- ESTOU COM PRESSA!
Mentalizei fortemente: "Deixa pra lá! Deixa pra lá! Deixa pra lá!" e encarei Puft. Não queria ver aquele gordinho se estrepar na minha frente. Ele olhou pra mim e creio que, telepaticamente, entendeu o recado. Olhou amedrontado para a besta e falou baixinho: - Tudo bem, eu espero o próximo...

Foi aí que aconteceu. Quando Chuck puxava suas roupas de trabalho da mochila, com a sutileza de um tiranossauro raivoso, sua blusa caiu no chão. Ele abaixou-se grunhindo e, quando foi levantando a blusa, seu celular escorregou suavemente do bolso dela para sua úmida e insalubre sepultura: O ralo.

“PLUC!". Esse foi o som da vitória. Puft me olhou. Puft viu. Puft viu e sorriu. Há tempos não contemplava um sorriso tão pleno e brilhante. Suas bochechas pareciam dois ovos de avestruz. O moleque corou como uma manga rosa e prendeu uma gargalhada com tanta força que resolvi segurar qualquer reação, porque sabia que um mínimo estímulo de minha parte faria o balofo estourar de rir (e ser estourado pelo monstrengo).

O mais engraçado é que Chuck sequer percebeu. Seu celular ainda tinha salvação, pois o ralo, como qualquer outro ralo, era largo por alguns centímetros e possuía um orifício central, mais estreito. Acho que um celular não passaria pelo buraco menor, principalmente um celular como aquele, gigante, do tipo que deve ter GPS, acesso à internet, raio laser e eletrocardiograma. Além disso, para a sorte dele, os outros dois caras que tomavam banho haviam terminado e desligado o chuveiro. Era só tirar o aparelho do buraco e dar uma enxugadinha...

Outro boxe ficou disponível e Puft correu sorridente. Conseguiu até entrar antes de Chuck. Fechou animado a porta de vidro e ligou o chuveiro no máááximo. O gordinho estava reluzente. Deve ter sido o melhor banho da vida dele. Entrei no último boxe e botei a água pra fluir. Enfim, lá estávamos nós três despejando água no celular do Chuck.

Acho que Puft pensou o mesmo que eu. Tomou banho rapidinho e foi se trocar. Não queria estar presente quando o monstro descobrisse o que aconteceu com seu brinquedinho. Mas Chuck também acabou logo. Pra ele, banho demorado deve ser coisa de frutinha. Enquanto eu vestia minhas roupas abarrotadas, um rugido:
-PUTA QUE PARIU!
Olhei pra Puft, ele estava paralisado. O monstro iria acabar com nossa raça ali mesmo. Respirei fundo e esperei a merda acontecer. Chuck andou até o ralo e arrastou a tampa para fechá-lo. Sim. Ele fechou o ralo e não viu o celular lá dentro. Incrível!

O monstro foi o primeiro a sair do vestiário, que já estava movimentado com a entrada de outros elementos. Logo depois, Puft bateu no meu ombro, deu um sorriso sacaninha e tirou o time. Eu estava acabando de me arrumar, quando a porta do vestiário mais uma vez espatifou-se no armário. Era ele, Chuck, o monstro do legislativo, furioso como um boi de rodeio, arquejando e fuçando cada canto. Um vampiro sedento farejando um pescocinho de donzela.
- ALGUÉM ACHOU UMA MERDA DE UM CELULAR?
Silêncio...
- VOCÊS SÃO SURDOS, CARALHO?
- Nã... Nã... Não. Eu não vi.
- Nem eu.
- Eu também não.
- QUE POOOOORRRAA!!!!
Saiu batendo a porta com tanta força que uma dobradiça desmontou-se, esparramando parafusos e peças metálicas pelo chão.

Saí alguns minutos depois. Que fome! Nossa! Acho que hoje eu saio da dieta... No estacionamento, Chuck revirava o carro, procurando pelo celular. Tirou mochila, pastas, montes de papel, só faltava arrancar os bancos. Ele era uma dessas pessoas que usam o carro como almoxarifado do escritório.

Ahhh... Filé ao molho de gorgonzola. Nem acreditei. Adoro carne vermelha. Adoro gorgonzola. Enquanto saboreava minha comida, lembrei de uma frase:

“Às vezes, as pessoas que a gente menos espera são as únicas a nos estenderem a mão.".

Tentei lembrar quem escreveu isso. Shakespeare, talvez.
Ou quem sabe, Mustaine.

- Um suco de melancia, por favor!