domingo, 20 de junho de 2010

Dust - Parte 2

...
Nessa hora, Madá levantou-se. Tomei coragem e ergui discretamente a visão, sem mexer um músculo da face. Os olhos dela fervilhavam de ódio, lágrimas começavam a jorrar no seu rosto e sua boca tremia desesperada.

Preparei-me para o pior, Madá ia tentar matar Dust. E havia talheres de sobremesa ao alcance dela. Ao invés disso, ela pegou a bolsa e saiu do restaurante soluçando, enxugando as lágrimas e cobrindo o rosto de vergonha. Da janela, vi que Madá entrou no carro mas não deu a partida. Ficou uns dez minutos lá dentro, afogando-se em reflexões. Quando deu a ré para tirar o carro da vaga, bateu com tanta violência em uma lata de lixo que espatifou uma das lanternas traseiras. Seguiu cantando pneu. Fiquei muito preocupado. Dust é foda!!!

- Ééé, Marcão. Mais uma pessoa que quer me ver morto nessa vida.
- Porra, Júlio. Você também é sem noção! Puta que pariu, velho! Você detonou a mulher!
- Como disse o Oscar Wylde: "A verdade pura e simples é raramente pura e nunca simples."
- Mas você não percebe o poder destrutivo das verdades que você fala?
- Ele também disse: "Um homem bem educado jamais fere os sentimentos das outras pessoas...sem querer."
- Porra, Júlio. Então quer dizer que você faz isso de propósito mesmo?
- Sim. Mas só faço com as pessoas que gosto. Para o bem delas.
- Bem delas? Você acha que melhorou a vida da Madalena com essa agressão psicológica?
- Acho sim, Marcos. Algumas pessoas precisam de um empurrãozinho para refletir sobre sua v...
- Um empurrãozinho tudo bem, mas o que você faz é dar um tiro de canhão no peito dos outros.
- Como disse Oscar W...
- FODAM-SE VOCÊ E AQUELE VIADINHO COMUNISTA, SEU IMBECIL! DEVE SER POR ISSO QUE VOCÊ NÃO ARRANJA MULHER! ALÉM DE INSENSÍVEL E ESTÚPIDO, SE ACHA SUPERIOR AOS OUTROS SÓ PORQUE ENQUANTO AS PESSOAS ESTÃO SE ENCONTRANDO, VIAJANDO E TREPANDO, VOCÊ FICA EM CASA LENDO UM MONTE DE MERDA! SEUS LIVROS NÃO ENSINAM COMO SER HUMANO, SEU VERME!
Fui embora puto da vida. Dust ficou lá sentado, com a mesma cara de indiferença de sempre. Teve que pagar a minha parte e a de Madá na conta.

Acabei chegando atrasado no dia seguinte. Por isso não gosto mais de sair durante a semana. Ressaca aos trinta anos é um pouco diferente da de vinte... De longe, avistei um papel colorido sobre minha mesa. Era um ingresso para o show do Steve Vai. Enquanto ligava o computador, alguém se aproximou e colocou a mão no meu ombro. Era Dust.

- Marcão, seu presente de aniversário atrasado. Não tinha como dar na data certa, semana passada, porque começou a ser vendido na quarta-feira. Queria ter te entregue ontem à noite, mas você parecia um pouco aborrecido...
- Obrigado, Júlio.

Ainda estava tão zangado com Dust que pensei em devolver o presente. Mas resolvi não alongar o conflito. Trabalhamos juntos. Manter uma inimizade nessa situação não era nem um pouco inteligente. Peguei o ingresso e coloquei na gaveta, de cara enfezada. Dust tomou um gole de café e continuou:

- Marcão, tem uma coisa sobre mim que eu gostaria de te falar.
- Vá em frente.
- Eu não pertenço a este lugar. - Falou com um sorriso irônico e o olhar no vazio.
- Tá bom, Dust. Pra completar essa sua lenga-lenga, só falta dizer "Parem o mundo que eu quero descer!"
- Marcão, sempre perdôe seus inimigos. Nada os irrita tanto quanto isso.
- Tem razão.
- Adivinha quem falou essa frase?
- Não faço a mínima idéia, Júlio.
- Ahhh. Faz sim...

E afastou-se rindo. Ainda conseguiu me arrancar um sorriso. Miserável. Dust era do tipo que não pedia desculpas do modo convencional. Mesmo assim era fácil perceber quando ele realmente se arrependia de algo e queria reparar.
Mas nem todos, aliás, quase ninguém conseguia perdoá-lo. Madalena, por exemplo, não voltou a falar com Dust.
Um mês depois, ela foi transferida, a pedido, pra outro setor.