terça-feira, 3 de agosto de 2010

Pezinho

- Amor, eu tou de carona com Marcão. Nós vamos dar uma passadinha ali no Confraria pra tomar uma cervejinha e depo...
- ADAILTON JÚNIOR, O QUE FOI QUE COMBINAMOS?
- Eu seeeei... Mas é rapidinho, só vamos jogar um partidin...
- ADAILTON, NÃO CHEGUE EM CASA DEPOIS DAS 10! EU TENHO QUE FAZER O TRABALHO DA PÓS E VOCÊ SABE QUE ISA DORME TARDE, AINDA MAIS GRIPADA!
- Tudo bem amor, eu não demoro. Beijo!
- NÃO DEMORE!

E desligou apreensivo e envergonhado. Ele percebeu que a mulher falava tão alto no celular, que eu conseguia ouvir claramente a conversa.

- Ééé, Pezinho! Quem diria... Saiu da vida perdida pra virar "comprador de tempêro".
- Pois é, Marcão. Seu amigo tomou jeito!

E havia tomado mesmo. De verdade. Demorei a acreditar que o cara tinha abandonado aquele estilo de vida. Pezinho andava sempre bêbado, endividado e enrolado com as piores categorias de mulher. Às vezes, descobria uma nova mossa no carro e nem sabia de onde teria vindo. Há uns dois anos, quando voltava pra casa de madrugada após uma de suas farras, Pezinho ligou pra Wolverine pedindo pra ir buscá-lo lá na Estrada da Discórdia (puta lugar deserto), pois seu pneu havia furado e ele estava sem estepe (pura mentira).

Quando Wolverine chegou lá, avistou o carro do Pezinho no acostamento, todo destruído. O sacana havia capotado o carro e, por sorte, o veículo tinha caído sobre os quatro pneus. Lá dentro, Pezinho dormia como um bebê, com um longo galo na testa e uma skol long neck, pela metade, entre as pernas(até hoje se discute como ela permaneceu ali). O som do carro tava ligado nas alturas, tocando forró (que era seu estilo favorito de música). Wolverine disse que, após estapeá-lo com vigor, Pezinho acordou cantando: "Momentos de amor, quero com você..."

- Pezinho, acho melhor a gente ir embora, sua mulher vai ficar zangada comigo.
- Que nada, Marcão! Vamo lá. Só não posso demorar muito.
- Mas Arlete tá precisando de você lá...
- Negão, ela tá criando caso porque não gosta que eu saia sozinho mesmo. Mas contigo tá na paz. Arlete sabe que você é da coligação...

Fomos lá no Confraria e, durante a segunda partida de sinuca, o celular do Pezinho tocou. Após uma curta conversação ele desligou, arquejou, e, com um sorriso amarelo, disse que tinha que ir pra casa.

Apesar de ter perdido quase todo o convívio que tinha com o Pezinho, que é um cara muito divertido, conservo uma grande admiração pela Arlete. Na verdade, acho que ela foi a melhor coisa que poderia ter acontecido na vida do elemento.

Eles se conheceram quando o Pezinho vivia o apogeu da sua libertinagem. Arlete fazia faculdade de educação física e trabalhava como instrutora na academia onde Pezinho malhava, quer dizer, paquerava. Ela até brinca hoje, dizendo que ele chegou a dar em cima até de Dona Maura, uma senhora gaga da limpeza que vivia dizendo que Pezinho era a "ca-ca-cara" do filho dela.

Quando Arlete começou a trabalhar na academia, Pezinho já malhava lá e tinha iniciado um casinho com Camilinha, que era uma garotinha doce e fofa. Muito fofa. Tinha as bochechinhas rosadas, a voz fina e adorava aqueles filmes dos vampirinhos vegetarianos apaixonados. Mesmo mantendo esse "relacionamento", Pezinho continuava seu trabalho de "prospecção acadêmica".

Um dia, ele apreciava indiscreta e descaradamente as curvas da Arlete que se curvava pra pegar um lápis no chão, quando ela percebeu e disse:

- Pode olhar, Adailton. Olhar não tira pedaço. Fique à vontade.
- Ai, ai... Você hoje tá demais, Arlete. Êita vida cruel...
- Olha sua namoradinha chegando ali. Repete isso agora...

O engraçado é que Arlete (que é uma garota bem comportada, educada e de princípios) presenciava a conduta completamente cafajeste do Pezinho (que também cantava ela diariamente) e mesmo assim acabou se envolvendo. Levei um bom tempo tentando entender isso...

Fui apresentado à Arlete lá na Toca dos Gatos, botequinho desconfortável onde costumávamos ir com o pessoal da faculdade. Todo mundo quebrado de grana... Era o melhor que nossas condições suportavam. Além do mais, Jamelão, o dono da birosca, ainda vendia fiado e esquecia de anotar uma porrada de cerveja que a gente bebia (o coitado vivia bêbado).

Fiquei surpreso quando os vi chegando, pois o Pezinho, apesar de não ganhar tão bem assim, sempre levava suas novas cinderelas em restaurantes caros. Nunca por gosto, mas apenas pra impressionar as pobrezinhas mesmo. "Mulher gosta é de dinheiro, Marcão!", vivia repetindo.

- Aí, amor. Esse aí é que é o Marcão!
- Oi Marcão! Adailton fala muito sobre você...
- Garotinha, acho melhor você ter cuidado com as coisas que o Pezinho fala, viu?
- He he he. Eu sei, Marcão, mas não se preocupe, pois ele vai mudar.

Nesse momento eu senti pena da coitada. Tão novinha, tão bonitinha, tão alegre, acreditando em uma das mais batidas anedotas da humanidade. Fiquei sinceramente reocupado e decidi conversar com o Pezinho depois. Era evidente que Arlete não era mais uma daquelas perigosas criaturas da noite com quem o sacana vivia se confrontando. Dessa espécie, eu reconheço de cara...

Fechamos a conta lá pra 2 da manhã, Jamelão já não se agüentava nem de pé e nem sentado. Eu e Pezinho combinamos de tomar a saideira lá no Espetinho Angorá, após ele deixar Arlete em casa (apenas porque ela não deve ter topado ir para o motel).
- MUSSUM!!! MUSSUM!!! Vai de queijo coalho mesmo, Marcão?
- Claro!
- MUSSUM!!! Olhe pra cá, seu sacana!
- Colé, Pezinho?
- Traga lá dois chopes e dois espetinhos de queijo coalho.
- Trago Andréa também, Pezinho?
- Traga não, negão. Conhaque agora só amanhã.
- Então falou.
- E aí, Marcão?! O que achou da minha garotinha?
- Pobre alma. Não imagino como a infeliz foi se envolver logo com você...
- Peraê, Marcão! Agora é diferente... Encontrei a mulher da minha vida, negão!
- Pezinho. Da última vez, você me falou a mesma coisa. E foi aqui mesmo. Esqueceu daquela criatura que você suspeita ter roubado seu celular?
- Eu seeeei, Marcão. Aquela era a mulher de minha oooutra vida... Você não leva fé em seu amigo não, velho?
- Leeeeevo... Rapaz, o cara trouxe espeto de frango! E frio!
- Ô MUSSUM!!! MUSSUM!!! Que porra é essa, negão? Eu pedi de queijo coalho!!!
- Pezinho, o de queijo coalho acabou! só tem desse aí. Bota uma farofinha que fica decente!

Depois de alguns chopes, fomos embora. Pensei mais uma vez na situação da pobrezinha da Arlete. Me incomoda ver mulher sofrendo por conta de caras como Pezinho. Lembrei com desânimo da vozinha ingênua da garota dizendo "...não se preocupe, pois ele vai mudar".

O que eu não imaginava é que ela conseguiria com tanta facilidade...[continua]